quinta-feira, 28 de março de 2013
Direito e transexualidade: mais um texto
Em minha busca por literatura especializada, achei esse texto, que trata da mudança de nome e sexo no registro de transexuais que passaram pela cirurgia, sob uma visão do Direito. Elucidante o texto de análise e brilhante o relatório da ação.
Diferenças
Como comentei com o Laerte: de "animal" para "social" basta trocar quatro letras.
Foto: Cecília Levenstein
quarta-feira, 27 de março de 2013
Vou tentando
Tentando não me irritar com pessoas que disseram que já viveram tudo e mais um pouco e acham que isso as torna superiores intelectualmente ou psico-hierarquicamente às demais. Tentando não fazer com que comentários irônicos dessas pessoas façam meu sangue subir. Tentando expressar-me da forma como creio que devo expressar-me e ser claramente compreendida.
terça-feira, 26 de março de 2013
Vídeo da noite
Paris em preto-e-branco, como parte da alma de cada um.
Se, mamãe, se
Mamãe, se você visse minha vida!
Eu choro como eu rio
Mas meu futuro continua cinzento
E meu coração também!
Se, mamãe, se
Mamãe, se você visse minha vida!
Eu choro como eu rio
Mas meu futuro continua cinzento
E meu coração também!
PL João Nery: vale a pena ler!
Hoje estou sem a mínima paciência de escrever ou de fazer coisa alguma, mas deixarei um texto interessante. É o PL 5002/13, também conhecido como Lei João Nery, de autoria dos deputados Jean Wyllys (PSOL/RJ) e Érika Kokay (PT/DF), conhecidos na luta pelo reconhecimento dos direitos humanos e das minorias no Brasil. Vale a pena ler o projeto, baseado na lei similar que foi aprovada na Argentina (sim, até a Argentina está mais avançada em relação às questões de gênero), a justificativa, e vale a pena se mobilizar para que o Congresso aprove o projeto.
PS: Faz tempo que não posto vídeo, mas é por pura preguiça. Posto um agora.
PS: Faz tempo que não posto vídeo, mas é por pura preguiça. Posto um agora.
segunda-feira, 25 de março de 2013
O engodo do nome social
Há alguns posts atrás, falei do requerimento de uso de nome social que fiz no meu órgão. Hoje tive uma longa e produtiva conversa com o gerente de pessoal, para saber a quantas anda o meu processo. Há uma providência que está sendo tomada pela informática e em breve terei meu e-mail trocado. Mas tive uma sólida constatação: A PORTARIA 233/2010/MPOG NÃO GARANTE NADA!
Não garante que você, que ganhe responsabilidades, possa exercê-las com segurança de si própria, pois o nome que está ali é só "uma fantasia". Não garante que você, que passou anos lutando por uma reputação e que agora sentiu-se segura para assumir o seu verdadeiro eu, assuma-o plenamente no ambiente de trabalho, só em algumas coisinhas.
Não garante que você, que tem um nome na identidade e outro na vida real, possa trabalhar com um mínimo de respeito. Não garante que você, que tem "nome social", tenha um sobrenome também, pois o campo só aceita nome, ou seja, você será sempre uma coisa enquanto estiver numa condição de transgeneridade. Uma farsa. Uma maquiagem. Um crime.
Não garante que você, que pretensamente ganhou "um direito", possa fazê-lo sem passar pelo crivo da burocracia, que estanca sua personalidade, sua individualidade. Não garante que você, que tem objetivos profissionais e apoio emocional no seu ambiente, possa concretizá-los pois seu "direito" é só "pra isso e pra aquilo".
Como se diz em linguagem jurídica, "É o relatório".
Não garante que você, que ganhe responsabilidades, possa exercê-las com segurança de si própria, pois o nome que está ali é só "uma fantasia". Não garante que você, que passou anos lutando por uma reputação e que agora sentiu-se segura para assumir o seu verdadeiro eu, assuma-o plenamente no ambiente de trabalho, só em algumas coisinhas.
Não garante que você, que tem um nome na identidade e outro na vida real, possa trabalhar com um mínimo de respeito. Não garante que você, que tem "nome social", tenha um sobrenome também, pois o campo só aceita nome, ou seja, você será sempre uma coisa enquanto estiver numa condição de transgeneridade. Uma farsa. Uma maquiagem. Um crime.
Não garante que você, que pretensamente ganhou "um direito", possa fazê-lo sem passar pelo crivo da burocracia, que estanca sua personalidade, sua individualidade. Não garante que você, que tem objetivos profissionais e apoio emocional no seu ambiente, possa concretizá-los pois seu "direito" é só "pra isso e pra aquilo".
Como se diz em linguagem jurídica, "É o relatório".
domingo, 24 de março de 2013
Me sinto falocrática
Quando admito que deve existir sim uma separação entre o banheiro masculino e o feminino, pela identidade de gênero da pessoa, e que essa separação deve ser respeitada. Quando admito que o L e o G sempre vão estar procurando formas de se guetizar, para se proteger, sei lá, e que o T continuará tão deslocado que vai se guetizar ainda mais. Quando admito para mim mesma que o binômio homem-mulher vai continuar martelando em nossas cabeças, e que os meios-termos ficarão por aí, vagando no limbo. Constatações de uma noite pensante.
terça-feira, 19 de março de 2013
Crises
Minhas crises depressivas andam voltando. Estou com medo. Bastante medo.
De sair na rua. De pensar no julgamento dos outros. Será que estou bem?
De chegar no trabalho. De pensar no respeito dos outros. Será que ainda tenho alguma consideração?
De me encontrar com meus amigos. De pensar no pensamento deles. Será que sou normal?
A depressão é uma doença de etiologia social.
Entendê-la é um processo de ordem psicossocial.
Extirpá-la é um processo de ordem sociopolítica.
De sair na rua. De pensar no julgamento dos outros. Será que estou bem?
De chegar no trabalho. De pensar no respeito dos outros. Será que ainda tenho alguma consideração?
De me encontrar com meus amigos. De pensar no pensamento deles. Será que sou normal?
A depressão é uma doença de etiologia social.
Entendê-la é um processo de ordem psicossocial.
Extirpá-la é um processo de ordem sociopolítica.
sábado, 16 de março de 2013
Fora Feliciano: segundo ato
Mais uma vez São Paulo teve uma passeata contra a nomeação deste crápula chamado Marco Feliciano. Parecia ter menos gente que na semana passada, mas o barulho foi semelhante.
Bem atrevida essa cena. Foram pra porta da Universal (nem sabia que tinha Universal aqui na região do centro) e levaram as faixas de protesto pra lá.
Foto: Leonardo Define
Bem atrevida essa cena. Foram pra porta da Universal (nem sabia que tinha Universal aqui na região do centro) e levaram as faixas de protesto pra lá.
Foto: um rapaz que não perguntei o nome rs
quarta-feira, 13 de março de 2013
Mais liberdade
Hoje tomei uma decisão corajosa, no sentido de romper mais uma barreira ao exercício da minha personalidade: aboli a peruca, mesmo achando que o meu cabelo ainda está muito curto. Vou usá-la só em momentos específicos. O pessoal no trabalho, se não mentiu, disse que ficou bom. Menos mal.
Foto: Sabrina Garcia
Lei da identidade de gênero... em Portugal
Essa foi uma pergunta que fiz no blog da Denise Cristina, que gentilmente me respondeu sobre a legislação existente em Portugal sobre a identidade de gênero. Enquanto aqui no Brasil uma averbação de mudança de nome e sexo no registro só pode ser feita por enquanto na justiça, em processos que levam meses ou até anos, os lusos fazem o trâmite em apenas uma semana. Isso mesmo, uma semana.
De acordo com a Lei nº 7/2011, @ transexual que tiver o quadro clínico adequado (frise-se isso, pois em nenhum momento a lei fala em intervenção cirúrgica, tratando apenas da situação clínica) tem o direito a entrar com o pedido no cartório (lá chamado de conservatória) de mudança de nome e sexo nos registros.
Cabe ao cartorário (conservador) decidir, no prazo de uma semana (na verdade, oito dias) contada da data da entrega da documentação, se:
1 - aceita a documentação, fazendo as devidas averbações no livro de registro civil;
2 - solicita à/ao requerente documentos adicionais; ou
3 - indefere o pedido, fundamentando as razões da recusa.
Agradeço à Denise por ter-me esclarecido sobre essa lei, da qual não sabia a existência. Esse é um dos tipos de legislação que deve ser vista como modelo aqui no Brasil para as questões de gênero. Aguardemos avanços nesse quesito, mas não paradas, e sim lutando.
De acordo com a Lei nº 7/2011, @ transexual que tiver o quadro clínico adequado (frise-se isso, pois em nenhum momento a lei fala em intervenção cirúrgica, tratando apenas da situação clínica) tem o direito a entrar com o pedido no cartório (lá chamado de conservatória) de mudança de nome e sexo nos registros.
Cabe ao cartorário (conservador) decidir, no prazo de uma semana (na verdade, oito dias) contada da data da entrega da documentação, se:
1 - aceita a documentação, fazendo as devidas averbações no livro de registro civil;
2 - solicita à/ao requerente documentos adicionais; ou
3 - indefere o pedido, fundamentando as razões da recusa.
Agradeço à Denise por ter-me esclarecido sobre essa lei, da qual não sabia a existência. Esse é um dos tipos de legislação que deve ser vista como modelo aqui no Brasil para as questões de gênero. Aguardemos avanços nesse quesito, mas não paradas, e sim lutando.
Fora Feliciano: as minorias existem (e resistem)
Abaixo posto algumas fotos do belíssimo ato que ocorreu este sábado aqui em São Paulo, contra a nomeação do pastor evangélico Marco Feliciano para a Comissão de DIREITOS HUMANOS E MINORIAS da Câmara dos Deputados. Começou no finalzinho da Avenida Paulista, desceu a Rua da Consolação e terminou ali na Praça Roosevelt, em pleno centro da cidade.
Acredito que este será o primeiro de muitos, pois a bancada "evangélica" tem muita força no nosso país, e consequentemente, no nosso Congresso, e só o clamor popular pode mostrar que não estamos satisfeit@s com o rumo que a política do nosso país está tomando.
Nomear pessoas como Marco Feliciano, que dispara indiscriminadamente ódio e preconceito contra negros (maioria da população brasileira), homossexuais, e outras minorias, para ser responsável por analisar propostas que visem o respeito às minorias que tanto execra é no mínimo um atentado à nossa inteligência.
Já há um segundo ato confirmado para o dia 16, quem puder participar, vá: http://www.facebook.com/events/340454419387589/340594856040212/?notif_t=plan_mall_activity
Acredito que este será o primeiro de muitos, pois a bancada "evangélica" tem muita força no nosso país, e consequentemente, no nosso Congresso, e só o clamor popular pode mostrar que não estamos satisfeit@s com o rumo que a política do nosso país está tomando.
Nomear pessoas como Marco Feliciano, que dispara indiscriminadamente ódio e preconceito contra negros (maioria da população brasileira), homossexuais, e outras minorias, para ser responsável por analisar propostas que visem o respeito às minorias que tanto execra é no mínimo um atentado à nossa inteligência.
Já há um segundo ato confirmado para o dia 16, quem puder participar, vá: http://www.facebook.com/events/340454419387589/340594856040212/?notif_t=plan_mall_activity
Foto: Marina Lima
terça-feira, 12 de março de 2013
Vídeo da noite
O vídeo da noite é a releitura da fadista Mariza (amo fados) de um poema do grande Fernando Pessoa. "Cavaleiro monge" é daquelas músicas que te faz lacrimejar só de ouvir a potente voz de Mariza entrando na sua alma.
Do vale à montanha, da montanha ao monte
Cavalo de sombra, cavaleiro monge
Por prados desertos, sem ter horizonte
Caminhais libertos, caminhais libertos, caminhais libertos
Do vale à montanha, da montanha ao monte
Cavalo de sombra, cavaleiro monge
Por prados desertos, sem ter horizonte
Caminhais libertos, caminhais libertos, caminhais libertos
Falocracia
Ando falando muito os termos "falocracia" e "discurso falocrático" recentemente. Estou bastante ocupada esses últimos tempos para calmamente conjecturar sobre o tema da forma como ele merece ser aprofundado, mas prometo alguma hora publicar um texto bem acurado a respeito dos meus pensamentos sobre esses termos que considero serem o tal "mal-do-século" que tanto oprime os movimentos da diversidade sexual e de gênero.
segunda-feira, 11 de março de 2013
Gays e o discurso falocrático
Essa discussão surgiu com uma publicação da Daniela Andrade no grupo da Associação Brasileira de Transgêner@s - ABRAT no Facebook, aliás, um grupo com discussões bem interessantes sobre as questões de gênero. Reproduz fielmente uma situação corriqueira entre os gays: a de que o gay afeminado seria inferior, exatamente por ser afeminado, e fora do padrão desejado pelos mesmos, o do "machão", o que não "dá pinta", o que "não parece que é gay". Pequenas descrições que passam despercebidas, mas que só reforçam o caráter opressor do discurso machista e falocrático mesmo num meio onde este discurso não deveria existir. Abaixo reproduzo o comentário da colega.
----
Uma das coisas que sempre achei extremamente ridículo (para não fazer uso de palavras piores) dentro do meio gay (frise-se o termo gay) é a tamanha misoginia e o machismo de grande parte dos gays, salvaguardando poucas exceções.
E, foi também essa característica frequente entre gays (a aversão pelo feminino) que forneceu bastante subsídio para eu ir de encontro com uma verdade que só demorou a aflorar por eu não ter tido qualquer conhecimento sobre transexualidade ao longo da vida: a de que eu era uma mulher tentando me comportar como um homem gay; enfim, para sempre fadada ao fracasso dentro de um papel que não era meu, caricatura de mim mesma.
Uma discussão há pouco com uma amiga, que suscitou o extraordinário paradoxo de ver gente (muitos gays também) usando de homofobia para combater homofobia e, na tentativa de deslegitimar o pastor Feliciano, chamá-lo de "passivona" e bradar "saia do armário, enrustida" fez eu lembrar alguns fatos da minha vida.
É muito importante nesse caso observar o gênero dos adjetivos usados para desmerecer o pastor, todos no feminino.
Pois bem, uma característica que as pessoas, quando começam a frequentar o meio gay logo notam, é o fato de que frequentemente ouvirá gays tratando um ao outro no feminino como forma de chacota ou mesmo como ofensa (sim, há também os que naturalizaram isso). E, em tantas discussões entre gays verá um chamando o outro de "passiva". Perceba que o termo "ativa" ou "ativo" jamais é usado como algo no campo da inferiorização, pelo contrário, ser visto ou chamado como ativo é o mesmo que se colocar como troféu cobiçado.
Quando você passa a frequentar, por exemplo, salas virtuais de bate-papo gay, uma das perguntas primeiras é se você é afeminado. Ser afeminado é tido e taxado como degradante, e se você assim se colocar, será logo descartado: o seu interlocutor apressa-se em dizer "é que eu não sou afeminado e nem curto". E, com isso, eu mesma vi muitos gays afeminados tentando se "travestir" de masculinizado e assumir uma expressão de gênero não genuína, na ânsia de ser aceito e respeitado dentro do meio gay. É bom salientar aqui a força que um homem que se diga 'bem dotado' possui dentro desse grupo, e quanto aos demais não dotados... bem, aos demais que se contentem com as sobras, afinal, símbolo de masculinidade é se dizer dono de um pênis colossal. E sim, saber o tamanho do pênis é uma das perguntas primeiras também nesses locais (salas de bate-papo, saunas...).
Muitas vezes percebi misoginia partindo inclusive daqueles gays vistos como "os que mancham o grupo gay por tentarem imitar uma mulher" (sim, ouvi muitas vezes de gays coisas do tipo: "pode ser gay, mas para quê desmunhecar?", "pode ser gay, mas para quê querer ser mulher?". Certa feita, estava eu numa boate GLS (sou do tempo da sigla GLS, que o T era visto como "esses gays que se travestem") e um casal de héteros beijava-se ao meu lado e ao lado de uma roda de amigos, todos gays. Dois deles ficaram horrorizados com aquela demonstração de afeto e confessaram: "Por que permitem esse tipo de gente entrar aqui? Agora temos que aturar isso até no nosso espaço?".
Fiquei pensando um pouco sobre isso mais tarde e vi o quão paradoxal era aquela posição daqueles dois amigos gays, na tentativa de se livrarem do preconceito, praticavam outro; na tentativa de se livrarem da exclusão, eram eles mesmos os que excluíam. Paulo Freire trata disso em 'Pedagogia do Oprimido', quando ele diz que o oprimido, quando possibilitado, muitas vezes transforma-se ele próprio no opressor; agora, como vingança, a fim de descolorir um pouco toda sua história de quem foi perseguido. Sempre vi como um grande problema que os gays, de modo geral, preferissem viver em guetos; como se isolados do restante da população, a solução para o problema estivesse dada.
Continuo até hoje defendendo que nós, minorias marginalizadas, devemos mostrar nossas caras, o que somos e como somos em todos os locais onde aos demais é permitido. E, portanto, mesmo como mulher transexual - que porventura posso não ter nada da chamada passabilidade (aquele grau de feminilidade conferido a algumas mulheres transexuais que as colocam acima de "qualquer suspeita", acima de qualquer dúvida aos olhos dos demais, nada tendo de masculino fisicamente para que a sociedade cissexista e binarista duvide, tamanha mimetização com as mulheres cis), nunca me furtei a estar em todos os locais e a todo momento que a mim fosse conveniente, mostrando a minha cara, mesmo com especulações, risos e murmúrios: nas baladas, nos shoppings, nos transportes coletivos, na padaria, nos shows, nos parques (...) E, mesmo com as tais perguntas, no começo da minha transição: "Mas você não tem medo de ser agredida saindo montada?" eu sempre respondia: "Olha, eu só tenho medo de não ser eu mesma, eu só tenho medo de não viver a vida de acordo com o que sou de fato e, se eu tiver de morrer por ter sido eu mesma, morrerei tranquila, não terei feito mal a ninguém, meu mal, talvez, foi apenas ter ousado ser o que sou e desse mal não abro mão".
Mas enquanto estive no meio gay, parecia que o bom mesmo para a grande maioria era fechar-se em claustros e clubes onde só gays eram permitidos - talvez uma lésbica ou outra, desde que se admitissem que a última palavra seria dos gays.
Eu, como o gay mais afeminado entre todos, sempre estive para escanteio. Pois, se você é dessa forma, servirá mesmo para ser visto pelos demais como promessa de drag-queen caricata, nada mais. E, pela impossibilidade de preencher o currículo de "homem másculo" que grande parte dos gays buscam, acabará pulando de galho em galho, vivendo a solteirice de quem é visto como "um buraco feito para se usar".
E veja, há inclusive um mito de que um homem gay exclusivamente ativo é algo tão fora do comum, que se ele existir (todos gays duvidam dos que se dizem exclusivamente ativos) pode se dar ao luxo de dizer que não é gay ou "quase" não é gay, e ser inclusive bem aceito dessa forma por grande parte dos demais gays. Sim, e se ele também transar com mulheres, aí ele alcança o monte Olimpo da masculinidade e ganha o posto de macho a ser venerado pelos demais. Agora, aos exclusivamente passivos... esses é só para darmos boas risadas e logo de antemão, tratarmos no feminino. É uma coisa bem perceptível, diga-se passivo no meio gay e o seu interlocutor passa a te ver/tratar no feminino com toda naturalidade do mundo, e como se o fato de muitos aceitarem isso, você também devesse aceitar.
Vejo que há muita explicação nisso para a transfobia que vem de grande parte dos gays, dentro do próprio meio LGBT, da impossibilidade de nos aceitarem, mulheres travestis e transexuais, como mulheres. O que já ouvi de gays de que eu só serei mulher quando tiver uma "racha", não tá no gibi. Aliás, por tocar nesse termo, veja que a própria denominação de mulher, para muitos gays é a denominação do órgão genital que as mulheres cis e as trangenitalizadas possuem: a vagina.
Uma mulher é nomeada também de "a racha" (que também define aquilo que as mulheres todas, supostamente, têm entre as pernas) ou amapô (título conferido apenas às mulheres cis). Mas claro, há os que vão dizer que é apenas humor e todo mundo aceita numa boa - ai de quem não aceitar, não é mesmo?! E com esse humor vamos naturalizando preconceitos dentro de um grupo que é rechaçado a todo tempo com preconceito.
O feminino e tudo quanto toca o feminino parece ser visto como um grande tabu, e próprio do terreno da alegoria ou do proibido, para muitos dos gays. E, parte daí, a visão machista, misógina e transfóbica de que travesti é um homem gay com roupa de mulher - sim, eles gostam de fazer a separação, transexual já é um nível "superior" de feminilidade e já se pode respeitar um pouco mais; travesti não, travesti é para escrachar mesmo.
Claro que não estou falando de todos os gays, inclusive tenho amigos gays incríveis e pessoas que respeitam extraordinariamente travestis e transexuais e, claro que há muito preconceito vindo também de travestis e transexuais. Não tive a intenção de escrever um tratado sobre o preconceito dentro do meio LGBT; outrossim, manifestei uma observação minha sobre a indeferência do feminino dentro do meio gay, vindas da minha própria observação dentro desse meio que frequentei/frequento há décadas.
O que acho impreterível é que as pessoas dentro desse meio passem a ter uma visão mais abrangente sobre inclusive quem são as personagens promovidas pela sigla LGBT, quais suas particularidades e quais suas necessidades. E também lembrar-se que a sua visão sobre determinada identidade, o seu tratamento para essa identidade, pode significar ferir de morte pessoas que simbolizam essa identidade. Se tivermos de ser um grupo coeso nominalmente, também teremos de ser um grupo coeso ideologicamente, também devemos nos atentar para o respeito às particularidades daquilo que compõem o gay, seja ele ativo, seja ele passivo, seja flexível; seja ele afeminado, seja ele masculinizado, seja ambos; a lésbica masculinizada, feminina, e a que rompe com esse conceito dicotômico; o bissexual e a bissexual - sim, eles existem e devem ser legitimados e claro, as pessoas travestis / transexuais / transgêneras, grande parte das vezes meras figurantes dentro dessa sigla, dada a invisibilização que sofrem.
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Uma das coisas que sempre achei extremamente ridículo (para não fazer uso de palavras piores) dentro do meio gay (frise-se o termo gay) é a tamanha misoginia e o machismo de grande parte dos gays, salvaguardando poucas exceções.
E, foi também essa característica frequente entre gays (a aversão pelo feminino) que forneceu bastante subsídio para eu ir de encontro com uma verdade que só demorou a aflorar por eu não ter tido qualquer conhecimento sobre transexualidade ao longo da vida: a de que eu era uma mulher tentando me comportar como um homem gay; enfim, para sempre fadada ao fracasso dentro de um papel que não era meu, caricatura de mim mesma.
Uma discussão há pouco com uma amiga, que suscitou o extraordinário paradoxo de ver gente (muitos gays também) usando de homofobia para combater homofobia e, na tentativa de deslegitimar o pastor Feliciano, chamá-lo de "passivona" e bradar "saia do armário, enrustida" fez eu lembrar alguns fatos da minha vida.
É muito importante nesse caso observar o gênero dos adjetivos usados para desmerecer o pastor, todos no feminino.
Pois bem, uma característica que as pessoas, quando começam a frequentar o meio gay logo notam, é o fato de que frequentemente ouvirá gays tratando um ao outro no feminino como forma de chacota ou mesmo como ofensa (sim, há também os que naturalizaram isso). E, em tantas discussões entre gays verá um chamando o outro de "passiva". Perceba que o termo "ativa" ou "ativo" jamais é usado como algo no campo da inferiorização, pelo contrário, ser visto ou chamado como ativo é o mesmo que se colocar como troféu cobiçado.
Quando você passa a frequentar, por exemplo, salas virtuais de bate-papo gay, uma das perguntas primeiras é se você é afeminado. Ser afeminado é tido e taxado como degradante, e se você assim se colocar, será logo descartado: o seu interlocutor apressa-se em dizer "é que eu não sou afeminado e nem curto". E, com isso, eu mesma vi muitos gays afeminados tentando se "travestir" de masculinizado e assumir uma expressão de gênero não genuína, na ânsia de ser aceito e respeitado dentro do meio gay. É bom salientar aqui a força que um homem que se diga 'bem dotado' possui dentro desse grupo, e quanto aos demais não dotados... bem, aos demais que se contentem com as sobras, afinal, símbolo de masculinidade é se dizer dono de um pênis colossal. E sim, saber o tamanho do pênis é uma das perguntas primeiras também nesses locais (salas de bate-papo, saunas...).
Muitas vezes percebi misoginia partindo inclusive daqueles gays vistos como "os que mancham o grupo gay por tentarem imitar uma mulher" (sim, ouvi muitas vezes de gays coisas do tipo: "pode ser gay, mas para quê desmunhecar?", "pode ser gay, mas para quê querer ser mulher?". Certa feita, estava eu numa boate GLS (sou do tempo da sigla GLS, que o T era visto como "esses gays que se travestem") e um casal de héteros beijava-se ao meu lado e ao lado de uma roda de amigos, todos gays. Dois deles ficaram horrorizados com aquela demonstração de afeto e confessaram: "Por que permitem esse tipo de gente entrar aqui? Agora temos que aturar isso até no nosso espaço?".
Fiquei pensando um pouco sobre isso mais tarde e vi o quão paradoxal era aquela posição daqueles dois amigos gays, na tentativa de se livrarem do preconceito, praticavam outro; na tentativa de se livrarem da exclusão, eram eles mesmos os que excluíam. Paulo Freire trata disso em 'Pedagogia do Oprimido', quando ele diz que o oprimido, quando possibilitado, muitas vezes transforma-se ele próprio no opressor; agora, como vingança, a fim de descolorir um pouco toda sua história de quem foi perseguido. Sempre vi como um grande problema que os gays, de modo geral, preferissem viver em guetos; como se isolados do restante da população, a solução para o problema estivesse dada.
Continuo até hoje defendendo que nós, minorias marginalizadas, devemos mostrar nossas caras, o que somos e como somos em todos os locais onde aos demais é permitido. E, portanto, mesmo como mulher transexual - que porventura posso não ter nada da chamada passabilidade (aquele grau de feminilidade conferido a algumas mulheres transexuais que as colocam acima de "qualquer suspeita", acima de qualquer dúvida aos olhos dos demais, nada tendo de masculino fisicamente para que a sociedade cissexista e binarista duvide, tamanha mimetização com as mulheres cis), nunca me furtei a estar em todos os locais e a todo momento que a mim fosse conveniente, mostrando a minha cara, mesmo com especulações, risos e murmúrios: nas baladas, nos shoppings, nos transportes coletivos, na padaria, nos shows, nos parques (...) E, mesmo com as tais perguntas, no começo da minha transição: "Mas você não tem medo de ser agredida saindo montada?" eu sempre respondia: "Olha, eu só tenho medo de não ser eu mesma, eu só tenho medo de não viver a vida de acordo com o que sou de fato e, se eu tiver de morrer por ter sido eu mesma, morrerei tranquila, não terei feito mal a ninguém, meu mal, talvez, foi apenas ter ousado ser o que sou e desse mal não abro mão".
Mas enquanto estive no meio gay, parecia que o bom mesmo para a grande maioria era fechar-se em claustros e clubes onde só gays eram permitidos - talvez uma lésbica ou outra, desde que se admitissem que a última palavra seria dos gays.
Eu, como o gay mais afeminado entre todos, sempre estive para escanteio. Pois, se você é dessa forma, servirá mesmo para ser visto pelos demais como promessa de drag-queen caricata, nada mais. E, pela impossibilidade de preencher o currículo de "homem másculo" que grande parte dos gays buscam, acabará pulando de galho em galho, vivendo a solteirice de quem é visto como "um buraco feito para se usar".
E veja, há inclusive um mito de que um homem gay exclusivamente ativo é algo tão fora do comum, que se ele existir (todos gays duvidam dos que se dizem exclusivamente ativos) pode se dar ao luxo de dizer que não é gay ou "quase" não é gay, e ser inclusive bem aceito dessa forma por grande parte dos demais gays. Sim, e se ele também transar com mulheres, aí ele alcança o monte Olimpo da masculinidade e ganha o posto de macho a ser venerado pelos demais. Agora, aos exclusivamente passivos... esses é só para darmos boas risadas e logo de antemão, tratarmos no feminino. É uma coisa bem perceptível, diga-se passivo no meio gay e o seu interlocutor passa a te ver/tratar no feminino com toda naturalidade do mundo, e como se o fato de muitos aceitarem isso, você também devesse aceitar.
Vejo que há muita explicação nisso para a transfobia que vem de grande parte dos gays, dentro do próprio meio LGBT, da impossibilidade de nos aceitarem, mulheres travestis e transexuais, como mulheres. O que já ouvi de gays de que eu só serei mulher quando tiver uma "racha", não tá no gibi. Aliás, por tocar nesse termo, veja que a própria denominação de mulher, para muitos gays é a denominação do órgão genital que as mulheres cis e as trangenitalizadas possuem: a vagina.
Uma mulher é nomeada também de "a racha" (que também define aquilo que as mulheres todas, supostamente, têm entre as pernas) ou amapô (título conferido apenas às mulheres cis). Mas claro, há os que vão dizer que é apenas humor e todo mundo aceita numa boa - ai de quem não aceitar, não é mesmo?! E com esse humor vamos naturalizando preconceitos dentro de um grupo que é rechaçado a todo tempo com preconceito.
O feminino e tudo quanto toca o feminino parece ser visto como um grande tabu, e próprio do terreno da alegoria ou do proibido, para muitos dos gays. E, parte daí, a visão machista, misógina e transfóbica de que travesti é um homem gay com roupa de mulher - sim, eles gostam de fazer a separação, transexual já é um nível "superior" de feminilidade e já se pode respeitar um pouco mais; travesti não, travesti é para escrachar mesmo.
Claro que não estou falando de todos os gays, inclusive tenho amigos gays incríveis e pessoas que respeitam extraordinariamente travestis e transexuais e, claro que há muito preconceito vindo também de travestis e transexuais. Não tive a intenção de escrever um tratado sobre o preconceito dentro do meio LGBT; outrossim, manifestei uma observação minha sobre a indeferência do feminino dentro do meio gay, vindas da minha própria observação dentro desse meio que frequentei/frequento há décadas.
O que acho impreterível é que as pessoas dentro desse meio passem a ter uma visão mais abrangente sobre inclusive quem são as personagens promovidas pela sigla LGBT, quais suas particularidades e quais suas necessidades. E também lembrar-se que a sua visão sobre determinada identidade, o seu tratamento para essa identidade, pode significar ferir de morte pessoas que simbolizam essa identidade. Se tivermos de ser um grupo coeso nominalmente, também teremos de ser um grupo coeso ideologicamente, também devemos nos atentar para o respeito às particularidades daquilo que compõem o gay, seja ele ativo, seja ele passivo, seja flexível; seja ele afeminado, seja ele masculinizado, seja ambos; a lésbica masculinizada, feminina, e a que rompe com esse conceito dicotômico; o bissexual e a bissexual - sim, eles existem e devem ser legitimados e claro, as pessoas travestis / transexuais / transgêneras, grande parte das vezes meras figurantes dentro dessa sigla, dada a invisibilização que sofrem.
domingo, 10 de março de 2013
É possível a mundana camisinha conviver com preceitos religiosos? Sim!
Essa é a resposta de Matthew Bode, pastor da igreja "Spirit of Hope", de Detroit, Estados Unidos, um país onde o fundamentalismo religioso é muito mais forte e presente que aqui no Brasil. Em seu artigo no Huffington Post, ele fala sobre a distribuição de "safer sex kits" para a comunidade desta cidade. Abaixo tentarei traduzir o artigo o mais fielmente possível.
Camisinhas e a Cruz
Postado: 08/03/2013
É possível usar corretamente essas duas palavras na mesma sentença? Camisinhas e a cruz - a primeira taxada pela igreja como um sinal da depravação e imoralidade humana, nossa perda de graça e o desapontamento de Deus com a nossa perda de pureza. A segunda é o mais venerável signo físico da ortodoxia cristã e o lugar onde acreditamos que nos tornamos reconciliados com Deus. Esses que valoram e apreciam um certamente não valorariam o outro, valorariam?
Não muito tempo atrás, nossa igreja de Detroit, Spirit of Hope, reiniciou um pequeno programa de distribuição de kits de sexo mais seguro que vai crescer no curso do ano. Ele atinge membros da igreja, vizinhos que se beneficiam do nosso banco de alimentos e cozinhas comunitárias, atletas que usam nossa academia e mais. Com certeza os kits incluem camisinhas e outros itens que contribuem para um sexo melhor e mais seguro, assim como materiais educativos e uma sentença ou duas das escrituras intencionadas a relembrar os recebedores do amor de Deus e do amor do próximo. Com agradecimentos em parte do "Gospel Against AIDS" e a energia dos membros da nossa igreja e comunidade, o programa tem sido um sucesso.
Alguns nos perguntaram porque distribuiríamos kits com camisinhas. Claro, a resposta fácil e mais exata é "Porque as pessoas precisam delas". Alguns cristãos, entretanto, não aceitam essa razão. Mesmo em 2013, parece que a vasta maioria das congregações na maioria das denominações, talvez mesmo a maioria dos grupos de fé, ainda têm uma grande dificuldade em falar sobre sexo e sexualidade. Nossa moderna retórica cultural cristã nos ensinou que as coisas estão mudando e que o eternamente guardado valor da abstinência, sexo apenas no contexto do casamento, caiu há uma ou duas gerações atrás (Pergunte aos meus familiares nascidos fora do casamento nos anos 50 ou 20 sobre a longa prática da abstinência!) É um tempo assustador para estar na igreja quando se aparece que nossos valores e ensinamentos culturais de longa data estão sendo desafiados por qualquer programa de televisão, publicidade e ícone da cultura pop.
Apesar disso, a beleza de ser um cristão não é encontrada em declarações de comportamentos certos ou errados, mas na pessoa de Jesus que andava entre as pessoas e deslocava os olhos da igreja para as necessidades daqueles que o rodeavam. Os líderes religiosos atacaram Jesus por ele ter aceitado que as pessoas fizessem trabalhos para ter algo que comer no Sabbath e por tocar as escrituras das pessoas e os líderes religiosos considerados impuros. Estou certo de que eles o teriam condenado por portar camisinhas. Ele sempre deslocava o argumento, porém, da pureza ideológica para as necessidades das pessoas.
Nos estamos em um mundo, em 2013, com uma rápida expansão do HIV. É o nosso chamado como igreja para ir ao encontro das necessidades das pessoas com compaixão, amor e poder de mudança de vida. Andamos com as pessoas nas suas vidas, todos nós mudamos quando autenticamente amamos um ao outro como semelhantes. Os ensinamentos tradicionais da igreja, do sexo abstinente, estão tão distantes da realidade da nossa cultura que é tempo para que entendamos as necessidades das pessoas e as responda ao invés de viver nas torres de marfim da suposta correção moral.
É imoral para a igreja não responder ao avanço do HIV. Na verdade, é duplamente imoral para nós não responder porque somos responsáveis como uma instituição por desencorajar a conversa honesta e o comportamento de amor. Nos anos 80 e 90 nós, como igreja, contribuímos para o isolamento de pacientes de HIV e lideramos uma suposta cruzada moral contra aqueles que não viviam o que determinávamos que fosse vidas corretas. Ainda que não tivéssemos isolado aqueles com HIV ativamente, ou aqueles com o maior risco de contrair a doença, nós estávamos calados quando outros que se chamavam cristãos o fizeram. Como em qualquer cruzada, muitas pessoas morreram.
Ao tempo em que o HIV toma fôlego, escava suas cicatrizes e começa a crescer novamente nessa era, nós como cristãos temos a chance de nos redimir e viver nossa fé. Quando falamos sobre sexo abertamente no contexto de confiança, respeito, honra e honestidade em substituição à plataforma da pureza religiosa, somos mais autênticos à fé. Também criamos suporte para uma melhor chance de mudar as vidas das pessoas para melhor.
Quando oferecemos kits de sexo mais seguro, um muro desaba. Em quase todos os casos, seja recebido por membros da igreja ou por desconhecidos, um pouco do medo doentio da igreja e da religião começa a se esvair. Somos capazes de ter uma real relação com o outro, e mesmo com Deus. A cruz é o lugar onde o medo vai para morrer. Liberação e liberdade tomam o lugar do medo. A cruz é o símbolo perfeito do poder de transformação. Como igreja, podemos ser transformados pela cruz para ser honestos com nós próprios, nossas próprias pessoas e o mundo à nossa volta. Honestidade para nós significa que nós temos que distribuir kits de sexo mais seguro. É tempo em que amamos as pessoas tanto quanto as nossas ideologias.
Camisinhas e a Cruz
Postado: 08/03/2013
É possível usar corretamente essas duas palavras na mesma sentença? Camisinhas e a cruz - a primeira taxada pela igreja como um sinal da depravação e imoralidade humana, nossa perda de graça e o desapontamento de Deus com a nossa perda de pureza. A segunda é o mais venerável signo físico da ortodoxia cristã e o lugar onde acreditamos que nos tornamos reconciliados com Deus. Esses que valoram e apreciam um certamente não valorariam o outro, valorariam?
Não muito tempo atrás, nossa igreja de Detroit, Spirit of Hope, reiniciou um pequeno programa de distribuição de kits de sexo mais seguro que vai crescer no curso do ano. Ele atinge membros da igreja, vizinhos que se beneficiam do nosso banco de alimentos e cozinhas comunitárias, atletas que usam nossa academia e mais. Com certeza os kits incluem camisinhas e outros itens que contribuem para um sexo melhor e mais seguro, assim como materiais educativos e uma sentença ou duas das escrituras intencionadas a relembrar os recebedores do amor de Deus e do amor do próximo. Com agradecimentos em parte do "Gospel Against AIDS" e a energia dos membros da nossa igreja e comunidade, o programa tem sido um sucesso.
Alguns nos perguntaram porque distribuiríamos kits com camisinhas. Claro, a resposta fácil e mais exata é "Porque as pessoas precisam delas". Alguns cristãos, entretanto, não aceitam essa razão. Mesmo em 2013, parece que a vasta maioria das congregações na maioria das denominações, talvez mesmo a maioria dos grupos de fé, ainda têm uma grande dificuldade em falar sobre sexo e sexualidade. Nossa moderna retórica cultural cristã nos ensinou que as coisas estão mudando e que o eternamente guardado valor da abstinência, sexo apenas no contexto do casamento, caiu há uma ou duas gerações atrás (Pergunte aos meus familiares nascidos fora do casamento nos anos 50 ou 20 sobre a longa prática da abstinência!) É um tempo assustador para estar na igreja quando se aparece que nossos valores e ensinamentos culturais de longa data estão sendo desafiados por qualquer programa de televisão, publicidade e ícone da cultura pop.
Apesar disso, a beleza de ser um cristão não é encontrada em declarações de comportamentos certos ou errados, mas na pessoa de Jesus que andava entre as pessoas e deslocava os olhos da igreja para as necessidades daqueles que o rodeavam. Os líderes religiosos atacaram Jesus por ele ter aceitado que as pessoas fizessem trabalhos para ter algo que comer no Sabbath e por tocar as escrituras das pessoas e os líderes religiosos considerados impuros. Estou certo de que eles o teriam condenado por portar camisinhas. Ele sempre deslocava o argumento, porém, da pureza ideológica para as necessidades das pessoas.
Nos estamos em um mundo, em 2013, com uma rápida expansão do HIV. É o nosso chamado como igreja para ir ao encontro das necessidades das pessoas com compaixão, amor e poder de mudança de vida. Andamos com as pessoas nas suas vidas, todos nós mudamos quando autenticamente amamos um ao outro como semelhantes. Os ensinamentos tradicionais da igreja, do sexo abstinente, estão tão distantes da realidade da nossa cultura que é tempo para que entendamos as necessidades das pessoas e as responda ao invés de viver nas torres de marfim da suposta correção moral.
É imoral para a igreja não responder ao avanço do HIV. Na verdade, é duplamente imoral para nós não responder porque somos responsáveis como uma instituição por desencorajar a conversa honesta e o comportamento de amor. Nos anos 80 e 90 nós, como igreja, contribuímos para o isolamento de pacientes de HIV e lideramos uma suposta cruzada moral contra aqueles que não viviam o que determinávamos que fosse vidas corretas. Ainda que não tivéssemos isolado aqueles com HIV ativamente, ou aqueles com o maior risco de contrair a doença, nós estávamos calados quando outros que se chamavam cristãos o fizeram. Como em qualquer cruzada, muitas pessoas morreram.
Ao tempo em que o HIV toma fôlego, escava suas cicatrizes e começa a crescer novamente nessa era, nós como cristãos temos a chance de nos redimir e viver nossa fé. Quando falamos sobre sexo abertamente no contexto de confiança, respeito, honra e honestidade em substituição à plataforma da pureza religiosa, somos mais autênticos à fé. Também criamos suporte para uma melhor chance de mudar as vidas das pessoas para melhor.
Quando oferecemos kits de sexo mais seguro, um muro desaba. Em quase todos os casos, seja recebido por membros da igreja ou por desconhecidos, um pouco do medo doentio da igreja e da religião começa a se esvair. Somos capazes de ter uma real relação com o outro, e mesmo com Deus. A cruz é o lugar onde o medo vai para morrer. Liberação e liberdade tomam o lugar do medo. A cruz é o símbolo perfeito do poder de transformação. Como igreja, podemos ser transformados pela cruz para ser honestos com nós próprios, nossas próprias pessoas e o mundo à nossa volta. Honestidade para nós significa que nós temos que distribuir kits de sexo mais seguro. É tempo em que amamos as pessoas tanto quanto as nossas ideologias.
sexta-feira, 8 de março de 2013
Nosso dia é todo dia!
8 de março, o tal Dia Internacional da Mulher. Que seja dia de todas as mulheres, brancas, negras, índias, amarelas, heterossexuais, homossexuais, transgêneras e outras denominações. Biológicas ou não, todos os dias somos mulheres, e todos os dias lutamos pelo direito de ser reconhecidas como tal.
Foto: Sabrina Garcia
quinta-feira, 7 de março de 2013
Vídeo da noite
15 anos já se passaram desde que Rita Lee cantou "M Te Vê" em seu Acústico MTV, e essa música continua mostrando fielmente o Brasil de hoje. Nesse momento crítico em que os direitos humanos estão sendo profundamente atacados e a ameaça de uma "era medieval" nesse quesito ser iminente, deixo para vocês a letra desta música.
Quem M Te Vê
Quem M Te Viu
No final dos 90 o Brasil
Tem um pé no penta
O outro em Chernobyl
A gente explode se for campeão
Depois se fode na eleição
A gente perde a copa e aprende
A eleger quem é honesto e competente
Já dizia o General De Gaulle
"Este país não é sério!"
Mais vale um craque de gol
Que dois de araque no Ministério
Mas que mistério!
Quem M Te Vê
Quem M Te Viu
No final dos 90 o Brasil
Tem um pé no penta
O outro em Chernobyl
Quem quer trocar a copa do mundo
Por um Brasil sem vagabundos?
Chove chuva na terra do sol
Chove cartola no futebol
Fica assim combinado, então
Se a bola no pé deixar na mão
Que vantagem Gérson vai levar
É nas urnas que eu vou me vingar
Porque eu vou me vingar!
Quem M Te Vê
Quem M Te Viu
No final dos 90 o Brasil
Tem um pé no penta
O outro em Chernobyl
Quem M Te Vê
Quem M Te Viu
No final dos 90 o Brasil
Tem um pé no penta
O outro em Chernobyl
A gente explode se for campeão
Depois se fode na eleição
A gente perde a copa e aprende
A eleger quem é honesto e competente
Já dizia o General De Gaulle
"Este país não é sério!"
Mais vale um craque de gol
Que dois de araque no Ministério
Mas que mistério!
Quem M Te Vê
Quem M Te Viu
No final dos 90 o Brasil
Tem um pé no penta
O outro em Chernobyl
Quem quer trocar a copa do mundo
Por um Brasil sem vagabundos?
Chove chuva na terra do sol
Chove cartola no futebol
Fica assim combinado, então
Se a bola no pé deixar na mão
Que vantagem Gérson vai levar
É nas urnas que eu vou me vingar
Porque eu vou me vingar!
Quem M Te Vê
Quem M Te Viu
No final dos 90 o Brasil
Tem um pé no penta
O outro em Chernobyl
quarta-feira, 6 de março de 2013
Vídeo/perfil da noite
Hoje, o vídeo vem com o perfil de um dos ícones do segmento trans mundial, a angolana Titica, que é uma das revelações em seu país no ritmo musical chamado kuduro, uma espécie de funk angolano. Como não entendo bulhufas do português de Angola, deixo só o vídeo, sem nenhum trecho em especial.
"Fui espancada e julgada", conta Titica, cantora transexual sensação do kuduro
05/05/2012 08h00 • Luciana Rabassallo
Titica não sabe quem é Björk, mas Björk conhece muito bem o trabalho de Titica. Nascida em Angola como Teca Miguel Garcia, a cantora adotou seu nome feminino quando veio ao Brasil para implantar próteses de silicone, em 2009.
Aos 25 anos de idade, Titica é muito mais do que um ícone gay ou uma transexual bem sucedida. Ela é o novo rosto do kuduro, um gênero nascido na periferia de Luanda, que mistura dança, rap, batidas eletrônicas e ritmos da cultura local como o semba e a kizomba. No Brasil, o ritmo tornou-se o hit do verão com a faixa Dança Kuduro, do cantor Latino, e abriu os ouvidos do país para o gênero.
Nomeada Melhor Artista de Kuduro em 2011, Titica quebrou as barreiras do preconceito em um país marcado pela intolerância [ainda é crime ser homossexual em Angola] ao receber o prêmio das mãos do presidente José Eduardo dos Santos. Apesar do tabu, a bailarina vem colecionado fãs e desperta muito mais interesse por sua arte que por sua sexualidade.
Sua música é tão original, que a angolana foi citada em uma recente entrevista de Björk ao jornal The Guardian como uma das influências para seu trabalho atual. Mais do que derrubar paredes dentro de seu próprio país, Titica vence barreiras culturais.
“Eu são sei quem ela é, mas estou muito feliz por isso. Saiu em uma revista americana?”, disse a cantora em uma sincera entrevista ao Virgula Música. Com educação em balé, Titica se envolveu com o ritmo ainda como bailarina de artistas populares da cena local como Noite & Dia e Própria Lixa.
De bailarina a interprete
“Comecei como bailarina, depois resolvi cantar. É muita responsabilidade. Você precisa estar sempre preocupada com a mensagem que está passando para as pessoas. Kuduro é responsabilidade. Muita gente o usa como um refúgio para as drogas. Ele afasta muitos jovens dessa vida”, conta.
“O kuduro começou nos guetos, que é como chamamos as favelas no meu país. Por isso é feito para as pessoas refletirem, protestarem e, é claro, se divertirem. Ele começou como uma dança, por isso também é composto em cima de ritmos e batidas, feito para festejar”.
Os ídolos, o forró e o funk
Björk é fã de Titica, mas quem são os ídolos dela? “Gosto muito de Beyoncé, Rihanna e Ary [famosa cantora angolana de kizomba, com quem gravou o hit Olha o Boneco]. Também gosto muito de Ivete Sangalo, ela é o máximo”.
Então você gosta de música brasileira? “Eu amo Ivete Sangalo. Queria gravar uma música com ela. Também gosto do Latino e de forró. Conheço um grupo chamado Aviões do Forró. É uma música para dançar coladinho, gosto do ritmo. Tem também aquela mulher, a Tati Quebra Barraco, que canta uma música que fala ‘agora eu sou solteira e ninguém vai me segurar’, é muito bom.”
Já ouviu o funk carioca? “Sim, sou doida por funk. Fui a um baile e é muito parecido com as raves [como são conhecidas as festas de kuduro em Angola]. As roupas, as danças, as batidas. A única coisa que não se parece muito são as letras. O funk é mais cantado, e o kuduro mais ritmado, como o rap. No Brasil eu percebi que os homens só cantam, mas lá em Angola todo mundo dança.”
Violência e preconceito
Surpreendentemente tímida para uma extravagante artista, Titica evita comentar sua sexualidade. Mas confessa que já sofreu muito preconceito. “Apanhei, fui apedrejada e julgada. Hoje muita gente me respeita, mas meu país é preconceituoso. Atualmente a homofobia por lá é uma poeira perto do que já foi um dia, mas muita gente ainda tem a mente fechada”. Em Angola, uma nova lei criminalizando a homofobia está inclusive para ser aprovada no Parlamento.
Você acha que a fama pode te levar a ajudar pessoas que estão na mesma situação que você esteve um dia? “Eu já ajudei muita gente e vou continuar ajudando. As pessoas precisam amar a Deus em primeiro lugar, e em seguida ter muito amor próprio. Se nos fossemos obra do demônio como dizem por aí, Ele não me ajudaria a chegar até aqui”, finaliza.
Fonte: Vírgula
"Fui espancada e julgada", conta Titica, cantora transexual sensação do kuduro
05/05/2012 08h00 • Luciana Rabassallo
Titica não sabe quem é Björk, mas Björk conhece muito bem o trabalho de Titica. Nascida em Angola como Teca Miguel Garcia, a cantora adotou seu nome feminino quando veio ao Brasil para implantar próteses de silicone, em 2009.
Aos 25 anos de idade, Titica é muito mais do que um ícone gay ou uma transexual bem sucedida. Ela é o novo rosto do kuduro, um gênero nascido na periferia de Luanda, que mistura dança, rap, batidas eletrônicas e ritmos da cultura local como o semba e a kizomba. No Brasil, o ritmo tornou-se o hit do verão com a faixa Dança Kuduro, do cantor Latino, e abriu os ouvidos do país para o gênero.
Nomeada Melhor Artista de Kuduro em 2011, Titica quebrou as barreiras do preconceito em um país marcado pela intolerância [ainda é crime ser homossexual em Angola] ao receber o prêmio das mãos do presidente José Eduardo dos Santos. Apesar do tabu, a bailarina vem colecionado fãs e desperta muito mais interesse por sua arte que por sua sexualidade.
Sua música é tão original, que a angolana foi citada em uma recente entrevista de Björk ao jornal The Guardian como uma das influências para seu trabalho atual. Mais do que derrubar paredes dentro de seu próprio país, Titica vence barreiras culturais.
“Eu são sei quem ela é, mas estou muito feliz por isso. Saiu em uma revista americana?”, disse a cantora em uma sincera entrevista ao Virgula Música. Com educação em balé, Titica se envolveu com o ritmo ainda como bailarina de artistas populares da cena local como Noite & Dia e Própria Lixa.
De bailarina a interprete
“Comecei como bailarina, depois resolvi cantar. É muita responsabilidade. Você precisa estar sempre preocupada com a mensagem que está passando para as pessoas. Kuduro é responsabilidade. Muita gente o usa como um refúgio para as drogas. Ele afasta muitos jovens dessa vida”, conta.
“O kuduro começou nos guetos, que é como chamamos as favelas no meu país. Por isso é feito para as pessoas refletirem, protestarem e, é claro, se divertirem. Ele começou como uma dança, por isso também é composto em cima de ritmos e batidas, feito para festejar”.
Os ídolos, o forró e o funk
Björk é fã de Titica, mas quem são os ídolos dela? “Gosto muito de Beyoncé, Rihanna e Ary [famosa cantora angolana de kizomba, com quem gravou o hit Olha o Boneco]. Também gosto muito de Ivete Sangalo, ela é o máximo”.
Então você gosta de música brasileira? “Eu amo Ivete Sangalo. Queria gravar uma música com ela. Também gosto do Latino e de forró. Conheço um grupo chamado Aviões do Forró. É uma música para dançar coladinho, gosto do ritmo. Tem também aquela mulher, a Tati Quebra Barraco, que canta uma música que fala ‘agora eu sou solteira e ninguém vai me segurar’, é muito bom.”
Já ouviu o funk carioca? “Sim, sou doida por funk. Fui a um baile e é muito parecido com as raves [como são conhecidas as festas de kuduro em Angola]. As roupas, as danças, as batidas. A única coisa que não se parece muito são as letras. O funk é mais cantado, e o kuduro mais ritmado, como o rap. No Brasil eu percebi que os homens só cantam, mas lá em Angola todo mundo dança.”
Violência e preconceito
Surpreendentemente tímida para uma extravagante artista, Titica evita comentar sua sexualidade. Mas confessa que já sofreu muito preconceito. “Apanhei, fui apedrejada e julgada. Hoje muita gente me respeita, mas meu país é preconceituoso. Atualmente a homofobia por lá é uma poeira perto do que já foi um dia, mas muita gente ainda tem a mente fechada”. Em Angola, uma nova lei criminalizando a homofobia está inclusive para ser aprovada no Parlamento.
Você acha que a fama pode te levar a ajudar pessoas que estão na mesma situação que você esteve um dia? “Eu já ajudei muita gente e vou continuar ajudando. As pessoas precisam amar a Deus em primeiro lugar, e em seguida ter muito amor próprio. Se nos fossemos obra do demônio como dizem por aí, Ele não me ajudaria a chegar até aqui”, finaliza.
Fonte: Vírgula
terça-feira, 5 de março de 2013
Tópicos jurídicos sobre a transexualidade
Em minha busca por alguns embasamentos jurídicos para a minha situação, encontrei essa entrevista, que achei interessantíssima. Ainda estou à procura de mais coisas, e quem puder contribuir, me fará uma grande gentileza. Por ora lhes deixo a entrevista.
Nome e Sexo
05/11/2012 por Tereza Rodrigues Vieira
Antes de entrarmos na parte jurídica, poderia nos falar um pouco sobre a transexualidade?
Sim, transexualidade ou transtorno de identidade de gênero é uma condição em que a pessoa possui o sexo biológico masculino, por exemplo, e o sexo psicológico feminino, ou seja, sexo e gênero discordantes. Trata-se de condição desarmônica e profundamente desconfortante, pois é desejo do transexual viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Tal matéria no Brasil é regulamentada apenas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), através de resoluções. Atualmente, está em vigor a Res.n. 1.955, de 2010, a qual caracteriza a transexualidade como: 1) Desconforto com o sexo anatômico natural; 2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; 3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos; 4) Ausência de outros transtornos mentais.
Quais são os critérios para autorizar o paciente à mudança de sexo?
No Brasil, a cirurgia está autorizada desde 1997 e, hoje, de acordo com a Resolução do CFM n.1955/2010, só poderá ser realizada após a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto, obedecendo os seguintes critérios :1) Diagnóstico médico de transgenitalismo; 2) Maior de 21 anos; 3) Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia. As cirurgias podem ser realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), conforme autoriza a Portaria n.º 457, da Secretaria de Atenção à Saúde.
Para ser autorizada a mudança de prenome e sexo no registro civil, é obrigatório a intervenção cirúrgica transgenital?
Eu entendo que não, uma vez que a transexualidade está na mente e não no corpo. Um prenome masculino para alguém feminino é ridículo(e vice-versa), e tal alteração já é permitida para qualquer pessoa, independente da sua identidade de gênero. Sentir-se, trajar-se, comportar-se como mulher e possuir documentação masculina, por exemplo, impede a inserção social e profissional, ferindo sua dignidade enquanto pessoa.
A adequação do nome e sexo para aquele em que o indivíduo é mais funcional em nada prejudica terceiros, pois o número dos documentos continuará os mesmos.
Qual a natureza jurídica da alteração de nome e sexo?
Entendo ser um direito da personalidade. O direito à busca do equilíbrio corpo-mente do transexual, ou seja, à adequação do sexo e prenome, está ancorado no direito ao próprio corpo, no seu direito à imagem, no direito à saúde e, principalmente, no direito à identidade sexual em conformidade com sua identidade de gênero, a qual integra importante aspecto da identidade pessoal.
Qual o critério para adoção do prenome?
O prenome anterior passa para o feminino/ masculino ou a escolha é livre? A escolha é livre. Ademais, há nomes que não encontram correspondentes em outro gênero (ou não soam bem quando se referem ao outro sexo). Ex. Adalberto, Milton, William, Rômulo, Ana, Eliane, Priscila etc.
Qual a situação da legislação nacional para o assunto?
Quais são as normas existentes? Não existe lei específica sobre o assunto no Brasil. Contudo, ausência de lei não significa ausência de justiça. Entendo que alguns dispositivos legais existentes reconhecem, indiretamente, o direito a adequação do sexo e do prenome, tais como: art. 13 e art. 21 do Código Civil; art. 1, inciso III, art. 3º, inc. I e IV, art. 5º, inc. X, art. 196 e art. 205, todos da Constituição Federal; artigos 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito; arts. 55 e 58 da Lei dos Registros Públicos e, na jurisprudência que autoriza mudar o nome ridículo. Prenomes masculinos são ridículos quando aplicados a pessoas do gênero feminino. Igualmente, colaboram a Portaria n.º 1.707 do Ministério da Saúde (2008) , o art. 2 da Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos humanos (1997), os arts. 10, 11 e 12 da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos (2005) e a Resolução n.1.955 do Conselho Federal de Medicina (2010).
Como o assunto é tratado pelo Direito Comparado?
Para a elaboração da minha tese de doutorado, defendida em 1995, realizei pesquisas em 14 países, enquanto estudava na Universidade de Paris, pois no direito comparado existe uma forte corrente favorável ao reconhecimento do direito à adequação do nome e do sexo do transexual, seja por via administrativa, judiciária ou legislativa.
Na Dinamarca estas intervenções cirúrgicas são realizadas desde 1952. No Brasil, a primeira cirurgia foi realizada em 1971 pelo saudoso cirurgião plástico Roberto Farina. Hoje, ainda são poucos os cirurgiões aptos a realizá-las no Brasil. Suécia, Alemanha, Holanda, Itália, Portugal, Argentina possuem leis específicas sobre o assunto. Certos estados dos Estados Unidos e do Canadá consagram os direitos dos transexuais. Por outras vias, igualmente o reconhecem: Dinamarca, Finlândia, Noruega, Bélgica, Luxemburgo, Suíça, Turquia, França, Peru, Colômbia, Uruguai etc. Ressalte-se aqui que a Argentina possui a lei mais avançada do mundo, onde não há necessidade de cirurgias para adequação do nome e sexo, bastando o indivíduo dirigir-se ao Cartório com o pedido. Menores também podem alterar, desde que autorizado pelos responsáveis legais. Outros países o reconhecem, mas há necessidade de ação judicial, como é o caso do Brasil.
Poderiam os transexuais, após a cirurgia, se casar?
Claro. Como qualquer pessoa, o transexual também deseja se unir a alguém com o intuito de constituir uma família. A incapacidade de procriação não pode ser considerada um empecilho, visto que não constitui uma das condições de validade do casamento. Há que se lembrar que hoje, é possível também o casamento de pessoas do mesmo sexo. A base principal do casamento é o amor e não o sexo. A sexualidade só interessa ao casal.
É possível a anulação caso o Cônjuge desconheça a transexualidade anterior do consorte?
É uma questão delicada para a qual ainda não há uma resposta segura. Em geral, ao iniciar um namoro firme, o transexual já declara ao futuro cônjuge que não pode ter filhos. Há que se verificar se houve ou não induzimento a erro, ou seja, se o consorte havia indagado e o ex-transexual negado a suspeita. As pessoas são iguais, independentemente da orientação sexual ou da identidade de gênero. Se houve só um namoro virtual, por exemplo, e depois o casamento, acho até possivel anular, dependendo das circunstâncias.
Se o transexual conhecia o preconceito do futuro cônjuge sobre o assunto e, mesmo assim, contraiu matrimônio, escondendo sua condição anterior, entendemos que faltou com a verdade. Se aquele cônjuge soubesse da transexualidade talvez não tivesse se casado. Para ele pode ser algo essencial e sua opinião deve ser respeitada. Em qualquer união deve ter ética entre os enamorados e ninguém tem o direito de ocultar algo que o outro repute grave. Alegar que a genitália é ou não original, por vezes, é apenas uma desculpa, quando o casamento já não anda bem. Cabe ao transexual a liberdade de informar ao cônjuge sua condição, pois não seria correto compeli-lo a confidenciar algo pessoal. Não deve o legislador intervir nessa liberdade, entretanto, o transexual que dissimulou sua condição deverá responder por sua omissão.
Contudo, se os nubentes tiveram relações sexuais antes do casamento e o consorte nunca notou nenhuma diferença, indagamos: qual a importância em saber se a pessoa nasceu daquela forma ou não? Há pessoas que realizam cirurgias faciais, mudam inteiramente o rosto, ou realizam cirurgias bariátricas enquanto solteiras e jamais revelam ao cônjuge. O estado atual é mais importante que o passado, vez que tais cirurgias são permitidas pelo Conselho Federal de Medicina.
A identidade de gênero não foi uma opção do transexual. No entanto, deverá suportar as consequências da não revelação, quando o momento requisitar. Contudo, na maior parte dos casos, é mais fácil que haja o divórcio que a anulação.
O que vem a ser o nome social, e como o poder público vem lidando com o tema?
Nome social é aquele usado pelo indivíduo, diferente do constante no registro de nascimento. Diversos decretos, resoluções, portarias etc autorizam o uso do nome social por travestis e transexuais, de acordo com sua identidade de gênero, antes do reconhecimento judicial.
A quase totalidade dos estados da federação já permite o uso do nome social. São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Bahia, Maranhão, Goiás, Pará, Tocantins, Rio Grande do Sul , Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Piauí, Paraíba, Rio de Janeiro, Alagoas, Distrito Federal, Roraima, Mato Grosso, Pernambuco, Espírito Santo autorizam mas, há diferenças na abrangência. Em alguns, o nome social é aceito só na rede de ensino público, em outros na área da saúde, executivo etc.
No Estado de São Paulo, transexuais e travestis têm o direito a escolha do nome pelo qual querem ser tratados no preenchimento de cadastros ou se apresentar para atendimento. O decreto nº. 55.588/2010, autoriza tratamento pelo nome social nos órgãos públicos. Ex. posto de saúde ou delegacia. O servidor público deve cumprir o decreto sob pena de ser processado.
O Município de São Paulo, por sua vez, possui o decreto 51.180 (14.01.2010), que permite o uso do nome social em formulários, prontuários médicos e fichas de cadastro, entre outros requerimentos da administração pública. O nome social aparece antes do nome civil e entre parênteses nos registros municipais.
Desde 14 de Janeiro de 2011, a Universidade de São Paulo (USP) passou a adotar a Lei Estadual 55.588/2010, aceitando o uso do nome social de alunos e alunas travestis e transexuais em seus documentos acadêmicos.
O Ministério do Planejamento, através da Portaria n. 233/2010, assegura aos servidores públicos, no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, o uso do nome social adotado por travestis e transexuais.
O Ministério da Educação, através da Portaria nº 1.612/2011, reconhece o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos aos agentes públicos deste Ministério, cabendo às autarquias vinculadas a esta Pasta a regulamentação da matéria dentro da sua esfera de competência.
A Portaria nº 1.820/ 2009, do Ministério da Saúde dispõe que é direito da pessoa, na rede de serviços de saúde registrar o nome social, independente do registro civil, sendo assegurado o uso do nome de preferência.
Desde 2009, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, através da Resolução Cremesp Nº. 208, permite o nome social e dispõe sobre o atendimento médico integral à população de travestis, transexuais e pessoas que apresentam dificuldade de integração ou dificuldade de adequação psíquica e social em relação ao sexo biológico.
O Conselho Federal de Psicologia, desde 20.07.2011, autoriza o uso do nome social na Carteira de Identidade Profissional. A decisão inclui outros documentos, como relatórios e laudos. O nome será adicionado no campo de Observações do Registro Profissional.
O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), através da Resolução N° 615/2011 também autoriza o nome social para os assistentes sociais.
No seu entendimento como está andando a jurisprudência em relação ao tema?
Felizmente, depois que defendemos nossa tese em 1995, e começamos a dar publicidade aos nossos estudos sobre transexualidade, paulatinamente, os doutrinadores bem como os nossos julgadores passaram a entender melhor o desconforto e o constrangimento reconhecendo a contribuição da adequação dos documentos para a inserção social do transexual. A jurisprudência vem se mostrando inteiramente favorável ao reconhecimento da adequação do Registro Civil, adequando o nome e o sexo, inclusive sem a realização de todas as cirurgias. Nos dias atuais, é muito raro se ter notícia do indeferimento de algum pedido.
Hoje, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido de não constar nenhuma menção da mudança na Certidão de Nascimento, apenas no Livro de Registro, que fica no Cartório, respeitando o princípio da dignidade da pessoa humana.
Das 98 ações que propusemos, em apenas 3 tivemos que recorrer e ganhar no Tribunal de Justiça. Antes do ano 2000, em uma delas a parte preferiu não recorrer, pois só o promotor havia sido favorável e em outra a parte desistiu antes da sentença. Todos os demais casos ganhamos já em primeira instância. Nossos julgadores hoje acompanham mais o desenvolvimento da sociedade, não se vinculando mais a conceitos ultrapassados e já superados pelo dinamismo da vida. As decisões devem expressar a realidade. O indivíduo deve ser livre para desenvolver sua personalidade, sem lesões à sua dignidade, vivendo e sendo respeitado por todos, de acordo com sua identidade de gênero. Afinal, todos temos o direito à felicidade.
Fonte: Carta Forense
Nome e Sexo
05/11/2012 por Tereza Rodrigues Vieira
Antes de entrarmos na parte jurídica, poderia nos falar um pouco sobre a transexualidade?
Sim, transexualidade ou transtorno de identidade de gênero é uma condição em que a pessoa possui o sexo biológico masculino, por exemplo, e o sexo psicológico feminino, ou seja, sexo e gênero discordantes. Trata-se de condição desarmônica e profundamente desconfortante, pois é desejo do transexual viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Tal matéria no Brasil é regulamentada apenas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), através de resoluções. Atualmente, está em vigor a Res.n. 1.955, de 2010, a qual caracteriza a transexualidade como: 1) Desconforto com o sexo anatômico natural; 2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; 3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos; 4) Ausência de outros transtornos mentais.
Quais são os critérios para autorizar o paciente à mudança de sexo?
No Brasil, a cirurgia está autorizada desde 1997 e, hoje, de acordo com a Resolução do CFM n.1955/2010, só poderá ser realizada após a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto, obedecendo os seguintes critérios :1) Diagnóstico médico de transgenitalismo; 2) Maior de 21 anos; 3) Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia. As cirurgias podem ser realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), conforme autoriza a Portaria n.º 457, da Secretaria de Atenção à Saúde.
Para ser autorizada a mudança de prenome e sexo no registro civil, é obrigatório a intervenção cirúrgica transgenital?
Eu entendo que não, uma vez que a transexualidade está na mente e não no corpo. Um prenome masculino para alguém feminino é ridículo(e vice-versa), e tal alteração já é permitida para qualquer pessoa, independente da sua identidade de gênero. Sentir-se, trajar-se, comportar-se como mulher e possuir documentação masculina, por exemplo, impede a inserção social e profissional, ferindo sua dignidade enquanto pessoa.
A adequação do nome e sexo para aquele em que o indivíduo é mais funcional em nada prejudica terceiros, pois o número dos documentos continuará os mesmos.
Qual a natureza jurídica da alteração de nome e sexo?
Entendo ser um direito da personalidade. O direito à busca do equilíbrio corpo-mente do transexual, ou seja, à adequação do sexo e prenome, está ancorado no direito ao próprio corpo, no seu direito à imagem, no direito à saúde e, principalmente, no direito à identidade sexual em conformidade com sua identidade de gênero, a qual integra importante aspecto da identidade pessoal.
Qual o critério para adoção do prenome?
O prenome anterior passa para o feminino/ masculino ou a escolha é livre? A escolha é livre. Ademais, há nomes que não encontram correspondentes em outro gênero (ou não soam bem quando se referem ao outro sexo). Ex. Adalberto, Milton, William, Rômulo, Ana, Eliane, Priscila etc.
Qual a situação da legislação nacional para o assunto?
Quais são as normas existentes? Não existe lei específica sobre o assunto no Brasil. Contudo, ausência de lei não significa ausência de justiça. Entendo que alguns dispositivos legais existentes reconhecem, indiretamente, o direito a adequação do sexo e do prenome, tais como: art. 13 e art. 21 do Código Civil; art. 1, inciso III, art. 3º, inc. I e IV, art. 5º, inc. X, art. 196 e art. 205, todos da Constituição Federal; artigos 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito; arts. 55 e 58 da Lei dos Registros Públicos e, na jurisprudência que autoriza mudar o nome ridículo. Prenomes masculinos são ridículos quando aplicados a pessoas do gênero feminino. Igualmente, colaboram a Portaria n.º 1.707 do Ministério da Saúde (2008) , o art. 2 da Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos humanos (1997), os arts. 10, 11 e 12 da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos (2005) e a Resolução n.1.955 do Conselho Federal de Medicina (2010).
Como o assunto é tratado pelo Direito Comparado?
Para a elaboração da minha tese de doutorado, defendida em 1995, realizei pesquisas em 14 países, enquanto estudava na Universidade de Paris, pois no direito comparado existe uma forte corrente favorável ao reconhecimento do direito à adequação do nome e do sexo do transexual, seja por via administrativa, judiciária ou legislativa.
Na Dinamarca estas intervenções cirúrgicas são realizadas desde 1952. No Brasil, a primeira cirurgia foi realizada em 1971 pelo saudoso cirurgião plástico Roberto Farina. Hoje, ainda são poucos os cirurgiões aptos a realizá-las no Brasil. Suécia, Alemanha, Holanda, Itália, Portugal, Argentina possuem leis específicas sobre o assunto. Certos estados dos Estados Unidos e do Canadá consagram os direitos dos transexuais. Por outras vias, igualmente o reconhecem: Dinamarca, Finlândia, Noruega, Bélgica, Luxemburgo, Suíça, Turquia, França, Peru, Colômbia, Uruguai etc. Ressalte-se aqui que a Argentina possui a lei mais avançada do mundo, onde não há necessidade de cirurgias para adequação do nome e sexo, bastando o indivíduo dirigir-se ao Cartório com o pedido. Menores também podem alterar, desde que autorizado pelos responsáveis legais. Outros países o reconhecem, mas há necessidade de ação judicial, como é o caso do Brasil.
Poderiam os transexuais, após a cirurgia, se casar?
Claro. Como qualquer pessoa, o transexual também deseja se unir a alguém com o intuito de constituir uma família. A incapacidade de procriação não pode ser considerada um empecilho, visto que não constitui uma das condições de validade do casamento. Há que se lembrar que hoje, é possível também o casamento de pessoas do mesmo sexo. A base principal do casamento é o amor e não o sexo. A sexualidade só interessa ao casal.
É possível a anulação caso o Cônjuge desconheça a transexualidade anterior do consorte?
É uma questão delicada para a qual ainda não há uma resposta segura. Em geral, ao iniciar um namoro firme, o transexual já declara ao futuro cônjuge que não pode ter filhos. Há que se verificar se houve ou não induzimento a erro, ou seja, se o consorte havia indagado e o ex-transexual negado a suspeita. As pessoas são iguais, independentemente da orientação sexual ou da identidade de gênero. Se houve só um namoro virtual, por exemplo, e depois o casamento, acho até possivel anular, dependendo das circunstâncias.
Se o transexual conhecia o preconceito do futuro cônjuge sobre o assunto e, mesmo assim, contraiu matrimônio, escondendo sua condição anterior, entendemos que faltou com a verdade. Se aquele cônjuge soubesse da transexualidade talvez não tivesse se casado. Para ele pode ser algo essencial e sua opinião deve ser respeitada. Em qualquer união deve ter ética entre os enamorados e ninguém tem o direito de ocultar algo que o outro repute grave. Alegar que a genitália é ou não original, por vezes, é apenas uma desculpa, quando o casamento já não anda bem. Cabe ao transexual a liberdade de informar ao cônjuge sua condição, pois não seria correto compeli-lo a confidenciar algo pessoal. Não deve o legislador intervir nessa liberdade, entretanto, o transexual que dissimulou sua condição deverá responder por sua omissão.
Contudo, se os nubentes tiveram relações sexuais antes do casamento e o consorte nunca notou nenhuma diferença, indagamos: qual a importância em saber se a pessoa nasceu daquela forma ou não? Há pessoas que realizam cirurgias faciais, mudam inteiramente o rosto, ou realizam cirurgias bariátricas enquanto solteiras e jamais revelam ao cônjuge. O estado atual é mais importante que o passado, vez que tais cirurgias são permitidas pelo Conselho Federal de Medicina.
A identidade de gênero não foi uma opção do transexual. No entanto, deverá suportar as consequências da não revelação, quando o momento requisitar. Contudo, na maior parte dos casos, é mais fácil que haja o divórcio que a anulação.
O que vem a ser o nome social, e como o poder público vem lidando com o tema?
Nome social é aquele usado pelo indivíduo, diferente do constante no registro de nascimento. Diversos decretos, resoluções, portarias etc autorizam o uso do nome social por travestis e transexuais, de acordo com sua identidade de gênero, antes do reconhecimento judicial.
A quase totalidade dos estados da federação já permite o uso do nome social. São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Bahia, Maranhão, Goiás, Pará, Tocantins, Rio Grande do Sul , Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Piauí, Paraíba, Rio de Janeiro, Alagoas, Distrito Federal, Roraima, Mato Grosso, Pernambuco, Espírito Santo autorizam mas, há diferenças na abrangência. Em alguns, o nome social é aceito só na rede de ensino público, em outros na área da saúde, executivo etc.
No Estado de São Paulo, transexuais e travestis têm o direito a escolha do nome pelo qual querem ser tratados no preenchimento de cadastros ou se apresentar para atendimento. O decreto nº. 55.588/2010, autoriza tratamento pelo nome social nos órgãos públicos. Ex. posto de saúde ou delegacia. O servidor público deve cumprir o decreto sob pena de ser processado.
O Município de São Paulo, por sua vez, possui o decreto 51.180 (14.01.2010), que permite o uso do nome social em formulários, prontuários médicos e fichas de cadastro, entre outros requerimentos da administração pública. O nome social aparece antes do nome civil e entre parênteses nos registros municipais.
Desde 14 de Janeiro de 2011, a Universidade de São Paulo (USP) passou a adotar a Lei Estadual 55.588/2010, aceitando o uso do nome social de alunos e alunas travestis e transexuais em seus documentos acadêmicos.
O Ministério do Planejamento, através da Portaria n. 233/2010, assegura aos servidores públicos, no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, o uso do nome social adotado por travestis e transexuais.
O Ministério da Educação, através da Portaria nº 1.612/2011, reconhece o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos aos agentes públicos deste Ministério, cabendo às autarquias vinculadas a esta Pasta a regulamentação da matéria dentro da sua esfera de competência.
A Portaria nº 1.820/ 2009, do Ministério da Saúde dispõe que é direito da pessoa, na rede de serviços de saúde registrar o nome social, independente do registro civil, sendo assegurado o uso do nome de preferência.
Desde 2009, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, através da Resolução Cremesp Nº. 208, permite o nome social e dispõe sobre o atendimento médico integral à população de travestis, transexuais e pessoas que apresentam dificuldade de integração ou dificuldade de adequação psíquica e social em relação ao sexo biológico.
O Conselho Federal de Psicologia, desde 20.07.2011, autoriza o uso do nome social na Carteira de Identidade Profissional. A decisão inclui outros documentos, como relatórios e laudos. O nome será adicionado no campo de Observações do Registro Profissional.
O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), através da Resolução N° 615/2011 também autoriza o nome social para os assistentes sociais.
No seu entendimento como está andando a jurisprudência em relação ao tema?
Felizmente, depois que defendemos nossa tese em 1995, e começamos a dar publicidade aos nossos estudos sobre transexualidade, paulatinamente, os doutrinadores bem como os nossos julgadores passaram a entender melhor o desconforto e o constrangimento reconhecendo a contribuição da adequação dos documentos para a inserção social do transexual. A jurisprudência vem se mostrando inteiramente favorável ao reconhecimento da adequação do Registro Civil, adequando o nome e o sexo, inclusive sem a realização de todas as cirurgias. Nos dias atuais, é muito raro se ter notícia do indeferimento de algum pedido.
Hoje, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido de não constar nenhuma menção da mudança na Certidão de Nascimento, apenas no Livro de Registro, que fica no Cartório, respeitando o princípio da dignidade da pessoa humana.
Das 98 ações que propusemos, em apenas 3 tivemos que recorrer e ganhar no Tribunal de Justiça. Antes do ano 2000, em uma delas a parte preferiu não recorrer, pois só o promotor havia sido favorável e em outra a parte desistiu antes da sentença. Todos os demais casos ganhamos já em primeira instância. Nossos julgadores hoje acompanham mais o desenvolvimento da sociedade, não se vinculando mais a conceitos ultrapassados e já superados pelo dinamismo da vida. As decisões devem expressar a realidade. O indivíduo deve ser livre para desenvolver sua personalidade, sem lesões à sua dignidade, vivendo e sendo respeitado por todos, de acordo com sua identidade de gênero. Afinal, todos temos o direito à felicidade.
Fonte: Carta Forense
domingo, 3 de março de 2013
Devaneios
Deveria ser mais ativista em prol da minha causa? Acredito que sim. Posso começar a falar uma série de bobagens a partir de agora, então fiquem à vontade para parar de ler.
Tem vezes em que penso sobre isso, sobre todo esse universo não-heterossexual, não-cis, trans, LGBT, ou qualquer outra denominação que se dê a qualquer movimento do tipo, e imagino: "Que saco!" Uma Constituição que dá garantias, e eu tendo que mendigar direitos adquiridos, como se estivesse pedindo um favor? Que tipo de país é esse?
Somos apenas pedaços de carne que devem aceitar caladinh@s a nossa pretensa "não-naturalidade"? Creio que não.
Estou agora aqui, numa grande dúvida sobre se devo ir mais longe numa contenda chata que está acontecendo no meu trabalho. Há quatro meses, alguns dias depois da concretização da minha transformação, entrei com processo administrativo (sou servidora pública) pedindo a alteração do meu nome social nos registros do órgão (situação também garantida).
O que se sucedeu foi uma série de despautérios baseados no puro ódio e preconceito. Ao invés de simplesmente enviar o meu requerimento, totalmente embasado, com cópia e tudo da portaria, para as providências necessárias, enviaram questionamentos ridículos sobre o uso do banheiro, como se isso fosse algo de calamidade. Ora, se adentrei num recinto com uma roupa feminina e exalo uma natureza feminina (aliás, desde a minha transformação só faço tentar aperfeiçoar e deixar marcante a minha natureza feminina), é óbvio que não vou querer usar o banheiro masculino.
Acredito que um órgão público, um lugar de pessoas que precisaram de um mínimo de estudo e senso crítico para serem admitidas, e como representação de um serviço à sociedade contribuinte e votante, deva ser o primeiro lugar a abrir uma frente de pensamento voltado a novos questionamentos que venham a surgir no convívio social. Mas o que vi a respeito do meu processo foi uma série de incoerências que não têm base sequer no Direito.
Como a maliciosa recomendação da procuradoria do órgão de "manter conduta compatível com a moralidade administrativa" sob pena de ferir o Estatuto. Ora, trabalhei mais de três anos no RH do órgão, e conheço de cabo a rabo o Estatuto, e só porque agora me visto de mulher, vou jogá-lo no lixo e agir como se a minha cabeça fosse uma entidade errante, sem valores éticos? Me poupe!
Conseguimos direitos, sim. Tenho sorte de estar num setor do órgão onde me respeitam e valorizam o meu trabalho, independente de eu estar de calça ou de saiote. Mas esses direitos ainda não são vistos por cabeças mesquinhas e maliciosas.
São alguns pensamentos que me vieram à cabeça nessa noite sem sono.
Tem vezes em que penso sobre isso, sobre todo esse universo não-heterossexual, não-cis, trans, LGBT, ou qualquer outra denominação que se dê a qualquer movimento do tipo, e imagino: "Que saco!" Uma Constituição que dá garantias, e eu tendo que mendigar direitos adquiridos, como se estivesse pedindo um favor? Que tipo de país é esse?
Somos apenas pedaços de carne que devem aceitar caladinh@s a nossa pretensa "não-naturalidade"? Creio que não.
Estou agora aqui, numa grande dúvida sobre se devo ir mais longe numa contenda chata que está acontecendo no meu trabalho. Há quatro meses, alguns dias depois da concretização da minha transformação, entrei com processo administrativo (sou servidora pública) pedindo a alteração do meu nome social nos registros do órgão (situação também garantida).
O que se sucedeu foi uma série de despautérios baseados no puro ódio e preconceito. Ao invés de simplesmente enviar o meu requerimento, totalmente embasado, com cópia e tudo da portaria, para as providências necessárias, enviaram questionamentos ridículos sobre o uso do banheiro, como se isso fosse algo de calamidade. Ora, se adentrei num recinto com uma roupa feminina e exalo uma natureza feminina (aliás, desde a minha transformação só faço tentar aperfeiçoar e deixar marcante a minha natureza feminina), é óbvio que não vou querer usar o banheiro masculino.
Acredito que um órgão público, um lugar de pessoas que precisaram de um mínimo de estudo e senso crítico para serem admitidas, e como representação de um serviço à sociedade contribuinte e votante, deva ser o primeiro lugar a abrir uma frente de pensamento voltado a novos questionamentos que venham a surgir no convívio social. Mas o que vi a respeito do meu processo foi uma série de incoerências que não têm base sequer no Direito.
Como a maliciosa recomendação da procuradoria do órgão de "manter conduta compatível com a moralidade administrativa" sob pena de ferir o Estatuto. Ora, trabalhei mais de três anos no RH do órgão, e conheço de cabo a rabo o Estatuto, e só porque agora me visto de mulher, vou jogá-lo no lixo e agir como se a minha cabeça fosse uma entidade errante, sem valores éticos? Me poupe!
Conseguimos direitos, sim. Tenho sorte de estar num setor do órgão onde me respeitam e valorizam o meu trabalho, independente de eu estar de calça ou de saiote. Mas esses direitos ainda não são vistos por cabeças mesquinhas e maliciosas.
São alguns pensamentos que me vieram à cabeça nessa noite sem sono.
Interações
Alguém por acaso saberia me responder se há um bom substituto para a risperidona como neurolético? Fiz uma breve pesquisa a respeito e o que encontrei foi que esse remédio pode levar a um aumento da prolactina, a tal da hiperprolactinemia, e em certos casos, galactorreia (lactação).
Aguardo respostas.
Aguardo respostas.
Vídeo da noite
Porque a vida é um tanto maluca mesmo.
Em um céu cheio de gente, só alguns querem voar, não é maluco?
Em um mundo cheio de gente, só alguns querem voar, não é maluco?
Em um paraíso cheio de gente, tem só alguns que querem voar, não é maluco?
Em um mundo cheio de gente, tem só alguns que querem voar, não é maluco?
Em um céu cheio de gente, só alguns querem voar, não é maluco?
Em um mundo cheio de gente, só alguns querem voar, não é maluco?
Em um paraíso cheio de gente, tem só alguns que querem voar, não é maluco?
Em um mundo cheio de gente, tem só alguns que querem voar, não é maluco?
Sensações
Estou me sentindo meio estranha ultimamente. Será medo do que vem por aí? Espero que isso passe logo.
Video da noite
Ritmos celtas me agradam muito, principalmente se acompanhados de uma linda letra, como a de "Unha volta e un poema", do grupo folk galego Berrogüetto. Fica o vídeo.
Agora que sai o sol, o seu nome já se vê
Agora que sai o sol, você também está
Agora que sai o sol, o seu nome já se vê
Agora que sai o sol, você também está
sexta-feira, 1 de março de 2013
Último adeus
Hoje estou dando o último adeus ao meu vidrinho de Magnifique, que tanto bem fez à minha alma, antes mesmo da minha transformação, e hoje deu sua última borrifada. Me dava um cheirinho de pequena liberdade. Vai fazer muita falta.
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